segunda-feira, 4 de maio de 2015

A História de Opa



Quando fui na Anima, o abrigo de animais de Macau, me voluntariar, a ideia era cuidar de vários cães e gatos, fazendo as caminhadas e ajudando no que pudesse. Um amigo uma vez me disse: “se você tem tanto amor ai dentro, porque não dividir com o mundo”. Sentia uma falta terrível da Nina, então porque não distribuir esse amor? Mas assim, na primeira visita, quando me mostraram todos os canis vi você.

Tão frágil e sozinho em meio a tantos outros cachorros, você foi o único a ficar dentro do canil quando o tratador abriu a porta. talvez por medo (ah, que brutos esses outros), talvez por estar em seu próprio mundo (tão você), ficou ali, encarando a parede e tremendo. E desse jeito entrou direto na minha mente e coração.

Por dias pensei em você. Um macho, velhinho já… quem vai querer? Já tinha sofrido tanto! Abandonado nas ruas cego e surdo, com um câncer gigante e infecção por todos os lados. A Anima operou o que dava, mas ainda assim, ali estava você, definhando lentamente.

Com a opção de ser sua guardiã, o levei para casa. Kirstie estava lá. Duas loiras e um schnauzer na moto. Você não reclamou, pelo contrário, ficou quietinho curtindo o vento.

Três meses eram o que todos falavam. Três meses no máximo e esse cachorro deixa esse mundo. Contra tudo e contra todos começamos, no dia da sua vinda para casa, nossa via sacra por veterinários e pet shops. Um bom banho era essencial!

Assim começamos nossa historia. Tão magro e tão frágil que só eu tinha coragem de tocar. Aos poucos você foi se recuperando. Muito amor, caminhadas e brócolis cozidos ao vapor e seu pelo voltou, mas aquela diarreia horrível não tinha cura.

Um ano se passou e ainda assim eu não o tinha ganho. Você confiava em mim, mas não me amava. Seu coração ainda pertencia a maldita chinesa de cabelos compridos que te abandonou.

Eu tentei achar uma família para você, nós dois sabíamos que éramos temporários, mas nenhuma parecia boa o suficiente. Até que com um ultimato, meu tempo em Macau começou a se esgotar. Foi então que decidi adota-lo. Ninguém cuidaria de você como eu e eu estava determinada a dar-lhe o melhor fim de vida possível.

Lá fomos nós, clandestinos no ônibus (tantas vezes). E na moto outras tantas. Você NUNCA reclamou (mesmo quando eu te colocava naquela sacola de pano). Quando assinei os papéis da adoção, voce mudou. Parecia que sabia que era da família (oficialmente). Primeiro passo para ganhar seu coração.

Veio a mudança e você foi ficando triste, (ainda) mais reservado, fechado em seu mundo (será que era isso que tinha acontecido antes?). O xixi regrediu e agora sua cama era a minha mala de bordo que estava aberta no chão do quarto. Mudamos para Kirstie e você voltou a se animar um pouquinho. Comportamento impecável, como de costume.

Mal sabia a luta que eu travava para conseguir trazê-lo conosco. Não queria colocá-lo no navio cargueiro. Tinha tanto (mas tanto) medo que você não aguentasse a jornada. Comprei uma bolsa chique para seus passeios no ônibus (agora, muito mais confortáveis, mas ainda assim ilegais), preparei toda a documentação, mas seguia firme na ideia de traze-lo escondido no ferry boat entre Macau e Hong Kong. Uma horinha só, será que alguém iria notar?

Fortemente desaconselhada o jeito foi mandá-lo de cargueiro mesmo. As dez da noite estávamos lá. E você foi rumo a Hong Kong, na cabine de um navio gigantesco (que exagero pra um cachorrinho tão pequeno!). Voltei pra casa arrasada. Mal dormi e peguei o primeiro ferry da manhã para encontrá-lo. Tinha tudo coordenado: chegada em Sheng Wan (terminal marítimo), taxi para o porto, de lá motorista contratado para nos levar para o aeroporto, reserva no canil do aeroporto, reserva na Qatar Airways (a única que transportava animais). Marido me deixou ainda mais nervosa e os primeiros meses de gravidez não ajudaram muito na travessia.

Mas deu tudo certo. No porto, com todos aqueles caminhões e containers por todos os lados, eu me sentia pequena tentando encontrar o escritório da transportadora. Descolei uma carona de trator com um senhor que trabalhava rearranjando aquelas caixas enormes. Minha esperança era encontra-lo antes do veterinário do governo, e assim passear um pouquinho com voce (imagino a vontade de ir no banheiro depois de 10 horas de viagem).

Não consegui, o escritório me enrolou (ah, que falta não falar chinês) e quando achei você, sozinho naquele espaço metálico de 40 ft, limpinho e feliz já estava escoltada pelo veterinário. Claro que ele não o deixou sair, mas impressionantemente sua casinha estava limpa (eu tinha vindo preparada com toalha e shampoo mais uma almofada limpa). Motorista chegou e rumamos para o aeroporto.

Quando te deixei lá no hotel do aeroporto, que parecia tanto com o seu antigo abrigo, senti sua mágoa. Voce nem quis se despedir de mim. Voltei para Macau arrasada.

Fecha a bagagem, corre para o ferry a noite, chega em Hong Kong, metro para o aeroporto, muito stress depois, fui te buscar no hotel para embarcar rumo a Mascate. Novamente escoltados (o lacre era inviolável) até que te despacharam. Mais dez horas de voo com uma conexão em Doha o esperavam. Você ainda estava magoado comigo, mas fez festinha pro Roy e pra K.

Em Doha eu estava no último de nervoso. Você estava bem? Era a coisa certa colocá-lo nessa jornada? Mas daí, subindo na escadinha do avião pra última parte da viagem eu o vi, sorrindo e feliz ao ser levado para dentro do avião. Sorrindo e feliz!!! Nunca vou esquecer aquela carinha… língua pra fora, respiração ritmada, a maior aventura da sua vida.

No aeroporto em Mascate, finalmente festinha pra mim! Nem o calor desértico, nem a falta de uma faca pra abrir sua caixinha, nada lhe tirava o sorriso. Foi aí que você mudou e me aceitou como sua família. Sim, tínhamos cumprido a jornada e agora você tinha certeza que não seria abandonado de novo.

Que alegria vê-lo correndo na praia. Quem diria que voce ainda teria tanta energia pra pular e nadar no mar. Todas as manhas caminhávamos pela praia, voce fazendo companhia aos meus exercícios de gravidez e pacientemente esperando toda aquela barriga entrar em movimento.

Quase dois anos juntos. Voce recebeu a Nina sem qualquer restrição ou ciúme. Tornaram-se companheiros. Coisa mais fofa vocês juntos.

Naquele dia eu estava tão feliz. Finalmente meu trabalho de parto havia começado. De tarde eu insisti para dar banho em vocês. Eu sei, outra pessoa poderia te-lo feito, mas EU queria dar banho. E entre contrações mal sabia que aquele seria o ultimo banho.

A noite caiu e uma estranha sensação tomou conta da hora. Algo estava muito errado. Não demorou eu dei sua falta, virei a casa, ate que vi o portão aberto. Voce tinha fugido. Contrações a cada seis minutos e aumentando a intensidade. 

Saí pelas ruas a sua busca, onde voce tinha se metido? E que ideia, justo agora, de explorar a vizinhança sozinho. Uma hora, duas… nada de você. Até que a Nina entrou na busca e lógico, te achou. Mas ninguém me contou. 

Eu tinha ido estender suas roupinhas no varal e a Nina, de novo, me mostrou onde voce estava. Eles tinham te escondido no deposito, dentro de um caixinha. Oh meu amor, por que?

Eu, que por tantas vezes pensei que voce não sobreviveria e tinha me preparado para isso no passado não pensei que justo agora, com o bebe a caminho e voce tao bem… estava errado!

Mas esse era voce. Em seu próprio mundo, do seu jeito discreto. Voce se foi quando eu estava distraída e nem me permitiu chorar sua partida pois depois daquele momento tudo que me abraçou foi a dor. A sua falta e as complicações do parto.

Eu sei que fizeram um lindo funeral para voce na minha ausência (tantos dias de hospital, não dava para esperar mais). Eu sei onde jaz seu corpo físico. Mas o que eu queria que voce soubesse é que ainda que não tenha tido coragem de ir lá visitá-lo, eu carrego voce no meu coração.

Espero ter cumprido minha promessa companheirinho. Espero que os últimos meses de sua vida tenham compensado todo o resto. Eu te amei muito.

Saudades sempre… 

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